O evangelho de Mateus 4,1 conta que o “Espírito conduziu Jesus ao deserto !”. Há uma verdade extraordinária nestas simples palavras. Quando pensamos em deserto, vem à nossa mente a idéia de um lugar solitário, feio e hostil. Em parte é assim mesmo. Todavia, na Bíblia o deserto é um lugar privilegiado: foi lá que Deus se manifestou ao povo hebreu: revelou seu poder, os alimentou e os livrou da peste, da perseguição e da fome, além de dar os mandamentos (Cf. Êxodo). É também no deserto que Deus sussurra ao coração: “Conduzirei ao deserto e falar-lhe-ei ao Coração! (Os 2,16). É preciso ter a coragem do profeta Jeremias que disse: “Seduziste-me Senhor e me deixei seduzir!”(Jer. 20,7). Essa coragem é muito importante hoje. Exatamente porque temos medo do deserto.
A humanidade hoje tem medo da solidão. Todos tememos estar sozinhos. Porém, se pensarmos bem, nossa trajetória nessa vida se dá rodeada por uma solidão profunda. Nascemos sozinhos. Nosso primeiro choro neste mundo, foi sozinho. Ninguém pode chorar nossas lágrimas ou sofrer nossas dores. Mesmo que alguém esteja ao meu lado na hora da angústia, ninguém pode doer minhas lutas. As minhas dores são só minhas. Solitariamente minhas. Os momentos mais decisivos, decidimos sozinhos. E quando morrermos, morreremos sozinhos. Mesmo que estejamos em meio a um acidente com muitas vítimas, ninguém pode morrer nossa morte. Essa solidão parece assustadora? É aqui que se revela uma grandeza! Nenhuma pessoa humana pode invadir nossa solidão existencial. Isso é assim porque Aquele que nos fez exige e reivindica que apenas Ele possa popular nossa solidão existencial.
A solidão é condição para a oração. Quando estamos sós, temos mais liberdade, facilidade e capacidade de falar com Aquele que é mais íntimo a nós do que nós a nós mesmos (S. Agostinho). Apesar de afirmar que estamos sós, preciso afirmar que não se trata de uma solidão absoluta. Nossa solidão é habitada pelo Senhor, que só pode ser percebido na quietude de quem se deixa seduzir até ao deserto. Lá estamos a sós, mas nunca solitários!
Jesus era uma pessoa madura em todos os sentidos. Por isso não tinha medo do deserto. Por saber estar no deserto, Jesus tinha condições de conviver entre os demais. Só quem aprendeu a mística do deserto sabe saborear a alegria da amizade e da vida social. No deserto temos a chance de nos depararmos com nossa própria verdade. A verdade da nossa própria identidade. Ninguém perde tempo tentando mentir ou fingir se está sozinho no deserto. É por isso que o deserto é lugar de Encontro. Encontro com a gente mesmo. Na sinceridade da vida! Condição para o Encontro com o Senhor Jesus.
Existe uma mística no deserto. E quanto mais fugirmos dele, mais nos tornamos cegos para muitas verdades da nossa própria vida. Só quem conhece a Verdade, de fato pode ser livre! (Jo 8,32). Quem perdeu o medo da solidão tem mais condições de viver a comunhão!
Não fuja do deserto. Se você já está nele, aprenda a olhar o lado bonito e ‘místico’ da coisa. Não tenha medo de abraçar essa solidão para experimentar a Companhia que realmente nos completa. A presença daquEle de quem ninguém pode se esconder!(Sl 138).
Seu irmão,
Pe. Delton Filho