Afronta ao Estado Democrático de Direito
Para além de qualquer sigla partidária, somos brasileiros. Estamos todos estarrecidos por causa da crise múltipla que assola nossa nação. A sociedade está deprimida por causa da crise moral que gerou um colapso institucional generalizado. O ambiente político ficou irrespirável diante dos últimos acontecimentos. O estado democrático de direito, alvejado pela atual situação, inspira atenção urgente. Não se trata de uma crise semelhante às tantas pelas quais temos vivido nos últimos 50 anos. Desde o fatídico 1964 até os dias atuais, vivemos muitos atropelos e conseguimos ‘sobreviver’. Estamos diante de algo diferente, com dimensões descomunais e com riscos reais à soberania da nação e do entendimento republicano. O momento não é de pessimismo nem de indiferença. Seria pecado manter-se neutro diante dessa situação. Da mesma forma seria pueril e leviano manifestar-se a partir de paixões ideológicas ou movido por manchetes sensacionalistas e tendenciosas. Nosso grito por justiça precisa partir das convicções inexoráveis que foram forjadas no berço da fé e no trilho do civismo, bem como de toda a humana virtude. Sim, é tempo de diálogo sereno e firme, sem violência, mas com virilidade. Imunes à tentação de vencer pela eloquência, predispostos a avaliar os fatos com o critério imparcial da verdade. A verdade! Jesus disse: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará!” (Jo 8,32). Nosso tempo carece desse elemento: a verdade.
Aspecto positivo em meio à crise
É verdade que em meio ao lamaçal ético a que estamos assistindo e repercutindo nas ruas e no ambiente virtual, surge uma situação de esperança! O Brasil se uniu em massa – mesmo os ‘adversários’ ideológicos – para detestar efetivamente a malandragem e a impunidade. Muitos passaram a interessar-se concretamente pela política, buscando compreender seu significado e importância para a manutenção da paz social. Após quinhentos anos de história, pela primeira vez, percebemos a população concorde – independente da mídia e da orientação partidária – suspirar por uma ‘cultura de retidão’, ao menos em termos e expressões.
A dor do povo brasileiro
Respeito os que pensam diferente, mas é preciso admitir que a ‘brava gente brasileira’ padece o desmando. A vergonhosa sombra da corrupção gera desconfiança generalizada nas instituições da república. O povo ficou doente, sem recursos, com a esperança ameaçada, a dignidade tratada como ‘detalhe dispensável’, amordaçados e confinados a se manifestar através de passeatas. Tudo isso tem grave impacto sobre a vida espiritual dos brasileiros. Eis os sintomas do ‘pecado institucionalizado’ conforme vemos em nossa sociedade.
É lamentável que nossa democracia necessite das ‘ruas’ para se fazer valer. O exercício da cidadania, através do voto, conquistado a duras penas, parece ter perdido a sua força. Infelizmente, de maneira generalizada, os líderes políticos perderam a credibilidade por causa dos que traíram a confiança do povo. Salvo raríssimas e honrosas exceções, os eleitos não conseguem trazer alegria para seus eleitores. Assistimos a uma escalada de atos com padrões autocráticos e tendenciosos que ferem nossa dignidade de cidadãos. Quem é eleito precisa exercer seu múnus a favor dos que o elegeram sem constranger aos demais. Essa é a verdadeira arte política, lapidada pela verdade e hombridade. Isso cabe a todos, desde o menor até ao máximo mandatário da nação. Ignorar o sofrimento do povo que sai às ruas para gritar pela verdade, é ignorar o espírito republicano que nos tornou o país que somos. Um governo que tenha perdido seu brio ético, apoiando descaradamente a ideologia de gênero, a destruição da família como nós a conhecemos, tentativas sucessivas de legalização do aborto entre outras aberrações, manifesta traços evidentes de um regime totalitário absolutamente contrário a quanto almeja a maioria dos brasileiros. Diante de expressões chulas, desprezo e preconceito contra os pobres e cristãos, além de incitações à violência e à tirânica vontade de perpetuar-se no poder, o mínimo que se espera é um pedido de desculpas por parte dos que macularam a confiança do povo brasileiro.
A voz profética da Igreja
A Igreja através da CNBB já se manifestou a respeito da situação política nacional. Nosso dever!
“Faz parte da missão da Igreja emitir juízo moral também sobre as realidades que dizem respeito à ordem política, quando o exijam os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas!” (Catecismo da Igreja Católica n, 2246, citando a Gaudium et Spes,n.76).
Ao cidadão de bem, especificamente ao que crê em Jesus Cristo, podemos ratificar quanto disse o Papa Francisco: (audiência aos jovens em 2013):
“ Envolver-se na política é uma obrigação para um cristão. Nós, cristãos, não podemos nos fazer de Pilatos e lavar as mãos. Não podemos! Devemos nos envolver na política porque a política é uma das formas mais elevadas da caridade, porque ela procura o bem comum…A política está muito suja, mas eu me pergunto: está suja por quê? Porque os cristãos não se envolveram nela com espírito evangélico? É uma pergunta que eu faço!”[1].
Desta forma, espera-se de cada leigo uma manifestação sólida e concreta para a resolução desta problemática. Enfatiza-se que temos esperanças de que os leigos-políticos, os leigos-juízes, leigos-promotores, leigos presentes nos três poderes que compõem as instituições do Estado Democrático de Direito Brasileiro, em uníssono, clamem pela verdade e se façam valer a partir das próprias sadias convicções . Trata-se de um chamado já corroborado pelas palavras do Catecismo da Igreja Católica (n. 2238):
“A leal colaboração dos cidadãos inclui o direito, e às vezes o dever, de apresentar suas justas reclamações contra o que lhes parece prejudicial à dignidade das pessoas e ao bem da comunidade.” Ainda no Número 2242:
“Se a autoridade pública, exorbitando de sua competência, oprimir os cidadãos, estes não recusem o que é objetivamente exigido pelo bem comum; contudo, é lícito defenderem os seus direitos e os de seus concidadãos contra os abusos do poder, guardados os limites traçados pela lei natural e pela lei evangélica”.
O dever profético de um padre
Como sacerdote e formador de opinião, estou atento a quanto disseram nossos pastores (CNBB) e igualmente sou todo ouvidos a quanto clama o nosso povo. Como padre não sou agente político partidarista, muito menos agente social. Sou responsável por recordar a necessidade da harmonia entre fé e obras na vida de todo crente. Também sou cidadão. Também sou brasileiro. Oro com fervor à Santíssima Virgem pelo meu país. Juntamente ao que ouço do povo, acrescento meu próprio clamor. Não posso e nem devo omitir meu juízo concreto a respeito da nossa nação. De modo particular quero expressar minha satisfação ao perceber que a condução das investigações da assim chamada operação ‘Lava-jato’ tenha trazido à tona uma enorme quantidade de evidências de uma trajetória espúria e despudorada por parte de cidadãos, empresas, instituições, políticos e seus partidos – indiferentemente(!). Enquanto a maior e mais extensa operação da polícia federal brasileira se mantiver isenta de interferências ideológicas e intervenções de outros poderes, dou meu apoio e parabenizo a todos os profissionais que lutam pela ética e pela verdade em nosso país. Isso tudo possa nos ajudar também a purificar nossa própria vivencia concreta, expurgando as ‘pequenas corrupções’ que acabam por nos colocar todos na mesma necessidade de conversão verdadeira.
Ao povo brasileiro faço o convite à esperança ativa. À fuga de toda omissão e violência, além da intimação ao envolvimento direto no processo de redemocratização da nação.
Aos corruptos faço o convite à conversão usando as mesmas palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo: “De que vale ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder sua alma?” (Mc 8,36).
Aos responsáveis pelas investigações: sintam-se apoiados pela Graça de Deus e pelos homens e mulheres de boa vontade. Cumpram o dever com justiça e misericórdia. Com imparcialidade e firmeza. Sem jamais perder a esperança no ser humano que – atingido pelo poder da Misericórdia Divina – é capaz de se arrepender e mudar!
Não pode haver golpe!
Esta expressão está correta! Importante deixar claro: Golpe de Estado é a derrubada violenta de um poder legalmente constituído, sem julgamento ou apelo às instâncias competentes: ao STF, ao senado. A Constituição Brasileira de 1988 o considera crime inafiançável e imprescritível. É algo que todo ser equilibrado dentro do Estado Democrático de Direito deve abominar. Em hipótese alguma devemos sonhar esse tipo de atitude. Violência nunca foi a solução melhor. Uma injustiça não se absolve através de outra injustiça.
Propostas de solução
Numa sociedade que sofre a tentação de não acreditar em ninguém mais, é preciso que surja um facho de luz e esperança. Como sugestão concreta para resolver esta situação precisamos elucidar:
1 – Nenhuma solução política pode ser adotada se antes não se levou em consideração que os princípios éticos e da própria lei natural precisam ser restaurados. Se a dignidade do ser humano – levando em consideração a pessoa como fim em si mesma, aberta à transcendência na categoria de corpo e espírito – não for respeitada, é inútil traçar metas para a resolução da Crise. O ser humano continuará inquieto enquanto não se encontrar consigo mesmo através de Deus! O estado laico não pode ser laicista. Desconhece-se sucesso de uma nação que tenha banido as verdades da fé de sua história em prol do futuro. Em suma: a reforma social começa pela reforma da pessoa em seus princípios baseados na lei natural, privilegiando a liberdade de religião e de expressão, respeito à vida desde seu nascimento e a sacralidade da família no sentido real da palavra.
2 – Salvaguardar o princípio da imparcialidade no esforço de dar primazia à pessoa em relação à sociedade, rejeitando toda espécie de totalitarismo socialista (CIC, n. 2425); pois já se comprovou os efeitos da mesma em outras nações historicamente feridas. A independência dos três poderes (legislativo, executivo e judiciário) não pode significar conchavo antiético e nenhum tipo de sujeição a paixões ideológicas pouco republicanas.
3 – Cabe ao povo acompanhar com atenção todos os desdobramentos das investigações dos diversos órgãos do Estado: Receita e Polícia Federal, Ministério Público e Judiciário, inclusive o próprio STF. Sem favoritismos partidários e muito menos messianismos infantis: tolice depositar toda a esperança numa única pessoa como se ela fosse Deus. O processo é lento, cuidadoso e exige maturidade.
4 – Toda legitimidade do processo de apuração dos fatos precisa levar em conta o lamento das ruas. Afastamento da Presidente para investigação apurada? Renúncia do atual governo ou Impeachment? Novas eleições? Pleito de um governo de transição? São opções possíveis sim. Mas tudo precisa girar a favor de uma reunificação nacional para um novo tempo de ética institucional e novos horizontes no entendimento político e democrático; essa seria a primeira etapa de uma série de reformas internas (politica, tributária, institucional), além da desburocratização do Estado e obediência às leis pétreas da ética radicadas na própria constituição brasileira.
Nunca subestimar o Poder da Oração!
Precisamos lembrar quanto a história nos comprovou. A oração do justo obtém milagres para situações extremas. Recorde-se o quanto ocorreu a partir da oração do Papa João Paulo II (santo), colaborando decisivamente para a queda do comunismo no leste europeu e salvando milhões de vidas, sem o derramamento de uma gota de sangue sequer.
Neste ano da Misericórdia, clamemos pelo poder do ‘Sangue e água’ que jorraram do Coração de Jesus, para que Salve a Nação Brasileira do caos total. Creio na força da prece e tenho esperança em nosso País. A todos, desejo Feliz Páscoa!
Pe. Delton Filho
Março/2016.
[1] https://w2.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2013/june/documents/papa-francesco_20130607_scuole-gesuiti.html
Verdade Padre Delton. Não podemos ficar omissos. Discordar sim, Desrespeitar não. Que Deus nos ilumine e ilumine a todos para que o bom senso e a justiça predominem.
Padre Delton, concordo com essa sua leitura.