Na homilia na Missa celebrada na terra que acolheu São Paulo depois de ter naufragado, Francisco falou de perdão e misericórdia: “Deus que sempre perdoa, continua a crer em nós e todas as vezes dá a possibilidade de recomeçar. Não há pecado ou fracasso que, levados a Ele, não possam tornar-se ocasião para começar uma vida nova, diferente, sob o signo da misericórdia.”

Neste domingo, 3, o Papa Francisco deu prosseguimento a sua “breve mas bela” viagem à República de Malta. Depois da oração na Gruta e Basílica de São Paulo em Rabat, foi a vez de encontrar os fiéis malteses para a Missa na Praça dos Celeiros, em Floriana.

Perdão e misericórdia: na homilia, inspirada no episódio da mulher adúltera narrada no Evangelho de João, o Papa recorda que ela “conheceu a misericórdia na sua miséria e volta curada pelo perdão de Jesus”, o que nos sugere, como Igreja, “que principiemos de novo a frequentar a escola do Evangelho, a escola do Deus da esperança que sempre nos surpreende”, pois se imitarmos Jesus, “não seremos levados a concentrar-nos na denúncia dos pecados, mas a sair amorosamente à procura dos pecadores.”

Dirigindo-se aos cerca de 20 mil fiéis e representantes de diversas religiões presentes na celebração, o Papa começa explicando que as pessoas procuram Jesus para escutá-lo, pois “sua doutrina não é abstrata, toca a vida e liberta-a, transforma-a, renova-a”, o que revela o “faro do povo de Deus”, “que não se contenta com o templo feito de pedras, mas reúne-se à volta da pessoa de Jesus”.

Mas havia alguns ausentes: a mulher – uma pessoa perdida, extraviada procurando a felicidade por caminhos errados -, e seus acusadores, os escribas e fariseus, que “pensam que já sabem tudo, não precisam do ensinamento de Jesus”.

A traça da hipocrisia e o vício de apontar o dedo

Os acusadores da mulher adúltera – explica Francisco – são aqueles que se vangloriam de “observadores da lei de Deus, pessoas regradas e justas. Não se preocupam com os próprios defeitos, mas mostram-se muito atentos na descoberta dos alheios”, ou seja, procuram Jesus não para escutá-lo, mas para encontrarem um motivo de queda para acusá-lo:

É um intento que fotografa a interioridade destas pessoas cultas e religiosas, que conhecem as Escrituras, frequentam o templo, mas subordinam tudo isto aos próprios interesses e não combatem os pensamentos maus que se agitam no seu coração. Aos olhos do povo, parecem peritos de Deus, e contudo não reconhecem Jesus; antes pelo contrário, veem-No como um inimigo que precisam de eliminar. Para o conseguir, colocam diante d’Ele uma pessoa, como se fosse uma coisa, chamando-a desdenhosamente «esta mulher» e denunciando publicamente o seu adultério. Pressionam para que a mulher seja apedrejada, derramando sobre ela a aversão que eles sentem pela compaixão de Jesus. E fazem tudo isto sob o manto da sua fama de homens religiosos.

Esse fato, explica Francisco, mostra que mesmo na nossa religiosidade “se podem insinuar a traça da hipocrisia e o vício de apontar o dedo; e isto a todo o momento, em qualquer comunidade”:

Há sempre o perigo de entender mal Jesus, ter o seu nome nos lábios, mas negá-Lo nas obras. E pode-se fazê-lo mesmo quando se levantam estandartes com a cruz.

 

A misericórdia é o coração de Deus

“Então – pergunta  o Papa – como saber se somos discípulos na escola do Mestre?” “Pelo nosso olhar – responde – pelo modo como olhamos para o próximo”, que pode ser como o faz Jesus, com misericórdia, ou como os acusadores do Evangelho, de forma acusatória e com desdenho:

Na realidade, quem julga defender a fé apontando o dedo contra os outros, até pode possuir uma visão religiosa, mas não adota o espírito do Evangelho, porque esquece a misericórdia, que é o coração de Deus.

 

Pobreza interior, tesouro mais precioso do homem

Mas para compreender se somos verdadeiros discípulos do Mestre, “é preciso verificar também como olhamos para nós mesmos”. Os acusadores de que fala o Evangelho julgam não ter nada para aprender, sua aparência externa é perfeita, “mas falta a verdade do coração”:

São a figura dos crentes de cada época que fazem da fé um elemento de fachada, onde sobressai o aspeto exterior solene, mas falta a pobreza interior, que é o tesouro mais precioso do homem. De fato, para Jesus o que conta é a abertura disponível de quem não se sente perfeito, mas necessitado de salvação.

Jesus busca a verdade do coração

Neste sentido, “quando estivermos em oração e mesmo quando tomarmos parte em belas cerimônias religiosas, será bom perguntarmo-nos se estamos sintonizados com o Senhor”, perguntando a Ele: «Jesus, estou aqui convosco, mas Vós que quereis de mim? Que quereis que mude no meu coração, na minha vida? Como quereis que veja os outros?».

Perguntas de grande valia, “porque o Mestre não Se satisfaz com a aparência, mas busca a verdade do coração. E quando Lhe abrimos de verdade o coração, Jesus pode operar maravilhas em nós.” E isso, acontece com a mulher adúltera, “sua situação parece irremediável, mas aos seus olhos abre-se um horizonte novo, inconcebível”:

Coberta de insultos, pronta a receber palavras implacáveis e severos castigos, com maravilha vê-se absolvida por Deus, que lhe abre de par em par um futuro inesperado: «Ninguém te condenou? – diz-lhe Jesus – Também Eu não te condeno. Vai e de agora em diante não tornes a pecar». Que diferença entre o Mestre e os acusadores! Estes citaram a Escritura para condenar; Jesus, Palavra de Deus em pessoa, reabilita completamente a mulher, restituindo-lhe a esperança.

 

Pecados e fracassos, ocasião para vida nova sob o signo da misericórdia

Este caso, diz o Papa, nos ensina “que qualquer advertência, se não for movida pela caridade e não contiver caridade, afunda ainda mais quem a recebe. Deus, pelo contrário, deixa sempre aberta uma possibilidade e sabe encontrar, todas as vezes, caminhos de libertação e salvação”:

A vida daquela mulher muda graças ao perdão. Apetece-me pensar que, perdoada por Jesus, ela por sua vez aprendeu a perdoar. Talvez passasse a ver os seus acusadores, já não como pessoas rígidas e perversas, mas como aqueles que lhe permitiram encontrar Jesus. O Senhor quer que também nós, seus discípulos, nós como Igreja, perdoados por Ele, nos tornemos testemunhas incansáveis de reconciliação: testemunhas dum Deus para o Qual não existe a palavra «irrecuperável»; dum Deus que sempre perdoa, continua a crer em nós e todas as vezes dá a possibilidade de recomeçar. Não há pecado ou fracasso que, levados a Ele, não possam tornar-se ocasião para começar uma vida nova, diferente, sob o signo da misericórdia.

 

Deus nos visita através das nossas chagas interiores

O Senhor Jesus é assim, diz o Santo Padre. Bem o sabe, quem fez experiência do seu perdão, como por exemplo a mulher do Evangelho, que descobre “que Deus nos visita através das nossas chagas interiores: é sobretudo nestas que o Senhor prefere fazer-Se presente, pois não veio para os sãos, mas para os doentes”:

E hoje esta mulher, que conheceu a misericórdia na sua miséria e volta curada pelo perdão de Jesus, sugere-nos, como Igreja, que principiemos de novo a frequentar a escola do Evangelho, a escola do Deus da esperança que sempre nos surpreende. Se O imitarmos, não seremos levados a concentrar-nos na denúncia dos pecados, mas a sair amorosamente à procura dos pecadores. Não ficaremos a contar os presentes, mas iremos em busca dos ausentes. Não voltaremos a apontar o dedo, mas começaremos a pôr-nos à escuta. Não descartaremos os desprezados, mas olharemos como primeiros aqueles que são considerados últimos. Isto é o que Jesus nos ensina hoje com o exemplo. Deixemo-nos surpreender por Ele. Acolhamos com alegria a sua novidade.

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