São 50 anos de constantes visitas no cárcere, presença de Igreja na visita ao Jesus encarcerado, escutando as agonias, dores e sofrimentos da população mais marginalizada do país, o grito das “periferias existenciais” cujas fileiras vêm inchando cada vez mais; somando atualmente, uma população prisional que no Brasil ultrapassa as 800 mil pessoas.
Pastoral Carcerária
A Pastoral Carcerária celebra neste ano de 2022 o seu jubileu de ouro.
O berço
Desde o começo do cristianismo a Igreja costumava visitar os presos e cuidar dos seus membros mais fracos, atitude que consta entre as obras de misericórdia corporais. Nos anos 60 quando, estão soprando com força os ventos do Concílio Vaticano II, alguns acontecimentos marcam a caminhada da Igreja na América Latina, entre eles sinalizamos o Pacto das Catacumbas, documento assinado em novembro de 1965, em que os signatários se comprometem a colocar os pobres no centro de sua ação pastoral.
Isso vai mudando todo o pensamento teológico que tem seu ponto de partida da vida do povo, da relação dos povos originários com a Mãe Terra, dando origem à teologia da libertação e as teologias índias, que denunciam o pecado social da violação dos Direitos Humanos e o desrespeito com a casa comum.
As Conferências de Medellín (1968) e Puebla (1979) constituem o marco fundamental para a concretização do Concílio Vaticano II e da Exortação Apostólica “Evangelii Nuntiandi”, consagrando a centralidade da pessoa na evangelização, na defesa e promoção dos Direitos Humanos e na Opção Preferencial pelos Pobres.
É neste tempo que, como resposta concreta, nasce a Pastoral Carcerária, juntamente com outras instituições, quais a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Conselho Indigenista Missionário (CIMI). Puebla é conhecida pela “opção preferencial pelos pobres” e nela encontramos a referência explícita da pastoral carcerária:
“Se a Igreja está presente na defesa ou promoção da dignidade do homem, fá-lo de acordo com a sua missão, … e declarou que em última instância se identificará com os deserdados – enfermos, presos, famintos, solitários -, … que a sua missão evangelizadora tem como parte indispensável a ação pela justiça e as tarefas de promoção do homem” (Puebla 3.2)
Os primeiros passos…
Desde sempre pessoas cristãs se faziam presente nos presídios brasileiros, assim na década de 70 diversos movimentos da Igreja católica (Cursilho, grupos de jovens, legião Maria, Vicentinos, Movimento Familiar Cristão se sentiam chamados para esta missão e intensificaram a assistência religiosa no Brasil. Onde foi permitido realizaram um trabalho edificante: organizavam jogos e diversões: promoviam reuniões, cursos e “Reflexões Bíblicas”; realizavam celebrações litúrgicas; visitavam os presos e suas famílias.
Pe. Alfonso Pastore foi o primeiro padre a lutar pela criação da Pastoral Carcerária no Brasil, que surgiu com este nome com o trabalho de leigos e leigas na Arquidiocese de Vitória/ES nos anos 70. Seu trabalho foi árduo, até fazer com que a Pastoral fosse reconhecida pela Igreja no Brasil.
Neste tempo surge também a primeira Apostila de Formação da Pastoral Carcerária, que foi criada pelo Pe. Paulo Ruffier, um padre Jesuíta que iniciou com a Pastoral Carcerária no ano de 1962, na Casa de Detenção em São Paulo. A apostila elaborada no período que realizava as visitas tornou-se referência para todo o país e tendo sido publicada no ano de 1972.
A organização da Pastoral Carcerária como instituição da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, se deu por etapas, e também por processos de construção diferentes nas Diocese, Prelazias e Regionais da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, porque a organização depende de uma série de fatores, principalmente do comprometimento da Igreja local com a situação das pessoas mais fragilizadas pelas questões econômicas, sociais e políticas.
O primeiro encontro Nacional da Pastoral Carcerária aconteceu nos dias 7 a 9 de agosto de 1973, no Rio de Janeiro. Como resultado deste encontro, o relatório é publicado pela CNBB Documento de Estudos N°4 ano 1974.
Datas, eventos, pessoas
Em dois de outubro de 1992, acontece na Casa de Detenção de São Paulo, popularmente conhecida como Carandiru, uma rebelião cujo resultado são 111 vidas ceifadas, passando à história como o “Massacre do Carandiru”. Este fato permanece e atinge o imaginário simbólico da Pastoral Carcerária, levando-a a trabalhar e sonhar “um Mundo sem Cárceres”.
Em 1993, a Pastoral já estava em 160 dioceses no país. Apesar disso, os anos de 1993 até 1995 são anos de abandono dos presos pela sociedade e pelo Estado. A Pastoral Carcerária, embora com poucos membros, continuou questionando cada vez mais as autoridades, embora não tivesse retorno algum. Apesar disso, neste período cresce o número de agentes, e com eles sua atuação pastoral, e por isso a Pastoral Carcerária lança para todo o Brasil uma apostila redigida pela coordenação sob a orientação do Bispo assessor Dom Demétrio Valentini , Bispo de Jales, SP.
A Pastoral Carcerária e sua ação pastoral vem crescendo cada vez mais e isso faz com que ela alargue sua rede de contatos dentro e fora do País. Ofícios de denúncias seguem para o nível Federal, para Ministérios, Deputados e para o exterior. Essas informações de denúncias que o Ministério recebia eram xerocadas e enviadas pelos Diretores do sistema prisional para fazer avaliações e tirarem suas conclusões.
As atividades nestes anos vão crescendo e aumentando cada vez mais, com os encontros nacionais e regionais de coordenadores, a produção de material e a participação nos encontros do Conselho Episcopal Latino-americano – CELAM, da International Commission of Catholic Prison Pastoral Care – ICCPPC (Comissão Internacional da Pastoral Carcerária Católica), na Assembleia anual dos Bispos, na Semana Social Nacional, no encontro anual da ACA – ACCA – ACCCA (USA).
Continuando sua intensa ação de evangelização e promoção da dignidade humana em 1994, a Coordenação Nacional realiza em Foz de Iguaçu o seminário Internacional de Prevenção e combate a tortura, produzindo e distribuindo subsídios de formação para todos os agentes pastorais do país.
Devido ao crescimento das demandas da pastoral, em 1995 realiza-se um lobby pressionando a Conferência Nacional dos Bispos para a escolha do tema da Campanha da Fraternidade, o que resultou na Campanha da Fraternidade de 1997 com o tema: “Fraternidade e os Encarcerados” e o lema “Jesus liberta das prisões.” A colaboração na confecção do material usado na Campanha da Fraternidade 97 e a publicação de um Manual Prático, “Como fazer Pastoral Carcerária”, pela Coordenação Nacional animou ulteriormente e motivou muitas pessoas a abraçarem a causa com um crescente entusiasmo em todo o país.
Nos anos que se seguem, diversos eventos e pessoas marcam sua caminhada do século vinte e o começo do século 21. Em 1996, Padre Alois Zugbirg Gunter assume a coordenação do estado de São Paulo, fazendo contemporaneamente parte da Coordenação Nacional, que em 1997, com a Campanha da Fraternidade “A FRATERNIDADE E OS ENCARCERADOS”, percorrem todo o estado de São Paulo e até o país, conscientizando a população e os profissionais sobre a realidade dos encarcerados e dos presídios, tornando-se modelo para os estados de todo o país.
Em 1999, com a morte repentina do Padre Robert Francis Reardon, o Padre Chico, grande impulsionador da Pastoral Carcerária, o padre Gunther torna-se Coordenador Nacional, acompanhado mais tarde do Padre João Valdir Silveira, dando ulterior impulso e consolidando a Pastoral Carcerária e sua atuação tornando-a referência, seja nacionalmente como internacionalmente.
Um sonho de cinquenta anos
Os anos que se seguem são marcados pelo encontro da República Dominicana, onde os delegados e representantes da Pastoral Carcerária da América Latina e Caribe, reunidos em 2008 na cidade de São Domingos, elaboram e assumem “O SONHO DE DEUS ! UM CONTINENTE SEM PRISÕES!”, compromisso retomado e consolidado com o encontro International Commission of Catholic Prison Pastoral Care – ICCPPC (Comissão Internacional da Pastoral Carcerária Católica) de 2017 em São Paulo, concluído com uma romaria nacional aos pés de Nossa Senhora Aparecida, confiando a ela todos os encarcerados e encarceradas desse nosso imenso Brasil.
Após cinquenta anos de sua existência, a Pastoral Carcerária continua sua caminhada de evangelização e promoção humana, desafiada pela realidade que nestes últimos anos na continuidade e na fidelidade ao sonho de “Um mundo sem prisões, têm dado vida à Agenda Nacional pelo Desencarceramento, criando e animando as Frentes Estaduais pelo Desencarceramento, dando maior atenção à questão da “Mulher encarcerada” e, nestes últimos anos da Pandemia do Covid 19, acompanhando cada agente da Pastoral Carcerária no seu grito de sofrimento e dor.
Ao celebrar as Bodas de Ouro da Pastoral Carcerária, queremos fazer memória de tantas vidas, rostos que sonharam com outro mundo possível, que Francisco propõe na Fratelli tutti, falando da fraternidade e amizade social, forma de vida com sabor do Evangelho, porque tudo está interligado nesta Casa comum.