Neste domingo, a Igreja encerra o ciclo do Ano Litúrgico com a Solenidade de Cristo Rei do Universo. Estamos no pórtico do Advento, olhando para Aquele que é o Alfa e o Ômega, o princípio e o fim da história. A liturgia nos convida a contemplar a realeza de Jesus, mas o faz de uma maneira desconcertante para a lógica humana: não através do ouro ou da força militar, mas através do serviço e do sacrifício.

As leituras deste domingo traçam um arco magnífico sobre a identidade de Cristo. Na Primeira Leitura (2Sm 5,1-3), vemos Davi sendo ungido rei em Hebron, evento que consolida a dinastia da qual viria o Messias. Os Evangelistas são cuidadosos em reconhecer essa descendência real de Jesus, seja através das genealogias, seja nos lábios do povo que clama por libertação. Basta recordarmos o grito do cego Bartimeu em Jericó: “Jesus, Filho de Davi, tem compaixão de mim”. A realeza de Cristo é, portanto, confirmada na história: Ele é o cumprimento fiel da promessa feita à casa de Davi.

Quando chegamos ao Novo Testamento, São Paulo, na Carta aos Colossenses (Cl 1,12-20), expande essa realeza para uma dimensão cósmica. Jesus não é apenas um sucessor político de Davi; Ele é a “imagem do Deus invisível”. Tudo foi criado por Ele e para Ele. A sua autoridade precede a história e sustenta o universo. Contudo, o Evangelho de Lucas nos transporta para um cenário dramático onde essa autoridade parece ter desaparecido: o Calvário.

Diante de Jesus crucificado, surge uma questão crítica: Por que Deus utilizou um sistema de governo humano, a monarquia, para definir sua relação conosco? O que difere, em essência, um rei de um homem comum? Seria o seu palácio? O seu exército? As suas riquezas?

Se retirarmos os bens e os símbolos externos, o rei pode continuar sendo rei. Mas há algo que, se retirado, anula a realeza: a obediência dos súditos. A essência da monarquia reside na autoridade que é reconhecida e acatada. O poder do rei vive na obediência do seu povo.

É aqui que compreendemos a missão redentora de Cristo sob uma nova luz. O pecado original foi, fundamentalmente, um ato de usurpação do trono. O ser humano recusou a obediência a Deus para reinar sobre si mesmo. Jesus, portanto, vem restaurar a Realeza de Deus devolvendo ao Pai aquilo que a humanidade Lhe havia roubado: a nossa obediência.

A Carta aos Hebreus resume a entrada de Cristo no mundo com a frase: “Eis que venho, ó Pai, para fazer a tua vontade” (Hb 10,7). E no momento decisivo do Getsêmani, Ele reafirma: “Não se faça a minha vontade, mas a tua”.

Jesus é Rei porque é o Servo Obediente por excelência. O Papa Bento XVI, com profunda sabedoria, nos ensina que a essência do “Céu” consiste no lugar onde a vontade de Deus acontece de forma inviolável. “A terra torna-se ‘céu’ se, e à medida que, a vontade de Deus nela acontece”.

Quando rezamos no Pai-Nosso “Venha a nós o Vosso Reino”, logo em seguida dizemos “Seja feita a Vossa vontade”. As duas petições são, na verdade, uma só. O Reino de Deus acontece quando a vontade humana se alinha perfeitamente à vontade divina. Cristo, em sua obediência até a morte, tornou-se Ele mesmo “o Céu”, o lugar onde a vontade do Pai foi plenamente realizada.

No Evangelho (Lc 23,35-43), vemos dois tipos de compreensão da realeza. Os chefes e os soldados zombam de Jesus usando a lógica do poder mundano: “Se és o rei… salva-te a ti mesmo”. Para eles, rei é aquele que usa o poder para benefício próprio.

Mas o “bom ladrão”, reconhece a verdadeira realeza. Ele vê naquele homem crucificado, que não revida e que se entrega ao Pai, a verdadeira face de Deus. Ele não pede para ser salvo da cruz, mas para ser acolhido no Reino: “Jesus, lembra-te de mim, quando entrares no teu reinado”.

A resposta de Jesus, “Hoje estarás comigo no Paraíso”, confirma que a sua realeza é eficaz e imediata para quem entra na dinâmica da obediência e da confiança.

Celebrar a Solenidade de Cristo Rei é, portanto, muito mais do que aclamar Jesus com os lábios. É permitir que Ele reine sobre as nossas decisões, os nossos afetos e a nossa vontade. É pedir a graça de vencer o lastro do nosso egoísmo para que, obedecendo como Cristo obedeceu, possamos transformar a nossa terra, a nossa vida e a nossa diocese, num pedaço do Céu.

Cristo vence, Cristo reina, Cristo impera!

† Dom Giovani Carlos Caldas Barroca

Bispo Diocenano de Uruaçu

 

Fonte: Diocese de Uruaçu