“O povo pede justiça e a justiça precisa de verdade, de confiança, de lealdade e de pureza de propósitos: um serviço em favor da dignidade da pessoa humana e do bem comum”. Palavras do Papa Francisco por ocasião do encontro com os membros do Conselho Superior da Magistratura italiana na Sala Paulo VI no Vaticano, nesta sexta-feira (08)

Na manhã desta sexta-feira (08/04) o Papa Francisco recebeu os membros do Conselho Superior da Magistratura na Sala Paulo VI no Vaticano. Francisco saudou os presentes recordando que foram chamados “para uma missão nobre e delicada”, ou seja, representar “o órgão que garante a autonomia e independência dos magistrados comuns e a tarefa de administrar a jurisdição”.

“O povo pede justiça – disse o Papa – e a justiça precisa de verdade, de confiança, de lealdade e de pureza de propósitos”. Afirmando ainda “ouvir o grito dos sem voz e dos injustiçados ajuda a transformar o poder recebido da Ordem em um serviço em favor da dignidade da pessoa humana e do bem comum”. Depois de recordar que na tradição, “a justiça é definida como dar a cada um o que lhe é devido” e que no decorrer da história foram estabelecidos vários modos de administrar a justiça, apontou que segundo a tradição bíblica, “o devido é reconhecer a dignidade humana como sagrada e inviolável”.

Administrar a justiça com misericórdia

“Além da clássica representação da mulher de olhos vendados segurando a balança – continuou – expressando alegoricamente a igualdade, proporção justa e imparcialidade exigida no exercício da justiça, segundo a Bíblia, ocorre também administrar com misericórdia”. E o Papa disse que para isso “nenhuma reforma política do sistema judicial pode mudar a vida de quem a administra, a menos que primeiro escolham diante de sua consciência ‘por quem’, ‘como’ e ‘por que’ fazer justiça”. Recordando Santa Catarina de Sena que sustentava que “para reformar é preciso primeiro reformar-se a si mesmo”.

Relação com o rosto do outro

“A questão ‘por quem’ administrar a justiça – afirmou – ilumina sempre uma relação com aquele ‘você’, aquele ‘rosto’, a quem se deve uma resposta: o infrator a ser reabilitado, a vítima com sua dor a ser acompanhada, aqueles que disputam direitos e obrigações, o profissional da justiça a ser responsabilizado e, em geral, todo cidadão a ser educado e sensibilizado”.

“Por esta razão, a cultura da justiça reparatória é o único verdadeiro antídoto à vingança e ao esquecimento, pois procura a recomposição dos laços rompidos e permite a recuperação da terra manchada pelo sangue do irmão”

Miríade de solidões existenciais

Ao explicar este ponto Francisco afirma: “O ato violento e injusto de Caim não é dirigido contra o inimigo ou contra o estranho: ele é realizado contra os do mesmo sangue. Caim não pode suportar o amor de Deus Pai por Abel, o irmão com quem ele compartilha sua própria vida”. E compara com o nosso mundo de hoje ao dizer:

“Como não pensar em nossa era histórica de globalização generalizada, na qual a humanidade se encontra cada vez mais interconectada e, no entanto, cada vez mais fragmentada em uma miríade de solidões existenciais?”

Podar os galhos mortos

Depois comenta que a questão histórica sobre ‘como’ a justiça é administrada passa sempre pelas reformas. “O Evangelho de João, no capítulo 15, nos ensina a podar os galhos mortos sem, no entanto, amputar a árvore da justiça, a fim de contrariar as lutas de poder, o clientelismo, as diversas formas de corrupção, a negligência e as injustas posições de renda”.  O ‘porquê’ da administração, por outro lado, nos remete ao significado da virtude da justiça, que para vocês torna-se um traje interior: não um vestido a ser mudado ou um papel a ser conquistado, mas o sentido próprio de sua identidade pessoal e social.

Saber fazer justiça com virtude

Depois de citar o rei Salomão que pede para Deus lhe dar a graça de ‘saber fazer justiça’ Francisco recorda que “para a Bíblia ‘saber fazer justiça’ é o objetivo dos que desejam governar sabiamente, enquanto o discernimento é a condição para distinguir o bem do mal”. Concluindo a explicação observa: “O relato bíblico não revela uma ideia abstrata de justiça, mas uma experiência concreta de um homem ‘justo’. O julgamento de Jesus é emblemático: o povo pede para condenar os justos e libertar o malfeitor. Pilatos pergunta: ‘O que este homem fez de errado?’, mas depois lava suas mãos”.

“Quando os grandes poderes se aliam para a autopreservação, os justos pagam por todos”

Por fim o Papa conclui afirmando:

“A credibilidade do testemunho, o amor pela justiça, a autoridade, a independência de outros poderes constituídos e um leal pluralismo de posições são os antídotos para impedir que prevaleçam as influências políticas, as ineficácias e as várias desonestidades”. “Governar o Judiciário de acordo com a virtude significa voltar a ser o guardião e a alta síntese do exercício para o qual vocês são chamados”.