Homilia do Papa Francisco no santuário de Guayaquil- Equador

REUTERS885240_Articolo<<Agora vou celebrar a santa missa. Levo todos no meu coração. Vou rezar para cada um de vós. Direi ao Senhor: “Tu conheces o nome daqueles que estavam alí presentes. Pedirei a Jesus tanta misericórdia para cada um de vós: que derrame sobre vós a sua misericordia, que cuide de vós. E à Viregm Maria que esteja sempre ao vosso lado….E agora dou-vos a bênção, porém não vou cobrar-vos nada, mas peço-vos que rezeis por mim. Prometeis rezar por mim>>? <<Sim>>.

 Palavras do Papa Francisco pronunciadas no Santuário da Divina Misericórdia de Guayaquil, no Equador, repleto de fiéis e peregrinos vindos de diversas partes do país e da América Latina para assitir a celebração da Santa Missa presidida por Francisco.  Eis na íntegra a homelia pronunciada em línguia espanhola:

 <<A passagem do Evangelho que acabamos de ouvir é o primeiro sinal portentoso que se realiza segundo a narrativa do Evangelho de João. A preocupação de Maria, transformada em súplica a Jesus: «Não têm vinho!» e a referência à «hora» compreender-se-ão nos relatos da Paixão.

É bom que assim seja, porque permite-nos ver a ânsia de Jesus por ensinar, acompanhar, curar e alegrar a começar da súplica de sua Mãe: «Não têm vinho!»

As bodas de Caná repetem-se em cada geração, em cada família, em cada um de nós e nossas tentativas de fazer com que o nosso coração consiga apoiar-se em amores duradouros, fecundos e felizes. Demos um lugar a Maria, «a mãe», como diz o evangelista. Façamos com Ela o itinerário de Caná.

 Maria está atenta naquelas bodas já iniciadas, é solícita pelas necessidades dos esposos. Não Se fecha em Si mesma, não Se encerra no seu mundo; o seu amor fá-La «ser para» os outros. E, por isso, Se dá conta da falta de vinho. O vinho é sinal de alegria, de amor, de abundância. Quantos dos nossos adolescentes e jovens percebem que, em suas casas, há muito que não existe nenhum! Quantas mulheres, sozinhas e tristes, se interrogam quando foi embora o amor, quando se diluiu da sua vida! Quantos idosos se sentem deixados fora da festa das suas famílias, abandonados num canto e já sem beber do amor diário. A falta de vinho pode ser efeito também da falta de trabalho, doenças, situações problemáticas que as nossas famílias atravessam. Maria não é uma mãe «reclamadora», não é uma sogra que espia para se consolar com as nossas inexperiências, erros ou descuidos. Maria é simplesmente mãe! Permanece ao nosso lado, atenta e solícita. Maria é Mãe!

 Maria, porém, dirige-Se com confiança a Jesus, Maria reza. Não vai ao chefe de mesa; apresenta a dificuldade dos esposos diretamente a seu Filho. A resposta que recebe parece desalentadora: «Que tem isso a ver contigo e comigo? Ainda não chegou a minha hora» (v. 4). Mas, entretanto, já deixou o problema nas mãos de Deus. A sua solicitude pelas necessidades dos outros apressa a «hora» de Jesus. Parte desta hora, desde o presépio até à cruz – Ela soube «transformar um curral de animais na casa de Jesus, com uns pobres paninhos e uma montanha de ternura» (EG 286), e recebeu-nos como filhos quando uma espada Lhe trespassava o coração –, Maria ensina-nos a deixar as nossas famílias nas mãos de Deus; a rezar, acendendo a esperança que nos indica que as nossas preocupações também preocupam a Deus.

 Rezar sempre nos arranca do perímetro das nossas preocupações, fazendo-nos transcender aquilo que nos magoa, agita ou falta a nós mesmos para nos colocarmos na pele dos outros, calçarmos os seus sapatos. A família é uma escola onde a oração também nos lembra que há um nós, que há um próximo vizinho, patente: vive sob o mesmo tecto, compartilha a vida e está necessitado.

 Maria, finalmente, atua. As palavras «fazei o que Ele vos disser» (v. 5), dirigidas aos serventes, são um convite dirigido também a nós para nos colocarmos à disposição de Jesus, que veio para servir e não para ser servido. O serviço é o critério do verdadeiro amor. E isto aprende-se especialmente na família, onde nos tornamos servidores uns dos outros por amor. Dentro da família, ninguém é descartado; nela, «aprende-se a pedir licença sem servilismo, a dizer “obrigado” como expressão duma sentida avaliação das coisas que recebemos, a dominar a agressividade ou a ganância, e a pedir desculpa quando fazemos algo de mal. Estes pequenos gestos de sincera cortesia ajudam a construir uma cultura da vida compartilhada e do respeito pelo que nos rodeia» (LS 213). A família é o hospital mais próximo, a primeira escola das crianças, o grupo de referência imprescindível para os jovens, o melhor asilo para os idosos. A família constitui a grande «riqueza social», que outras instituições não podem substituir, devendo ser ajudada e reforçada para não perder jamais o justo sentido dos serviços que a sociedade presta aos cidadãos. Com efeito, estes não são uma espécie de esmola, mas uma verdadeira «dívida social» para com a instituição familiar, que tanto contribui para o bem comum de todos.

 A família também forma uma pequena Igreja, uma «Igreja doméstica» que, juntamente com a vida, canaliza a ternura e a misericórdia divina. Na família, a fé mistura-se com o leite materno: experimentando o amor dos pais, sente-se envolvido pelo amor de Deus.

E, na família, os milagres fazem-se com o que há, com o que somos, com aquilo que a pessoa tem à mão. Muitas vezes não é o ideal, não é o que sonhamos, nem o que «deveria ser». O vinho novo das bodas de Caná nasce das talhas de purificação, isto é, do lugar onde todos tinham deixado o seu pecado. «Onde abundou o pecado, superabundou a graça» (Rm 5, 20). Na família de cada um de nós e na família comum que todos formamos, nada se descarta, nada é inútil. Pouco antes de começar o Ano Jubilar da Misericórdia, a Igreja vai celebrar o Sínodo Ordinário dedicado às famílias, para amadurecer um verdadeiro discernimento espiritual e encontrar soluções concretas para as inúmeras dificuldades e importantes desafios que a família deve enfrentar nos nossos dias. Convido-vos a intensificar a vossa oração por esta intenção: para que, mesmo aquilo que nos pareça impuro, nos escandalize ou espante, Deus – fazendo-o passar pela sua «hora» – possa milagrosamente transformá-lo. A família tem hoje tanta necessidade deste milagre.

 Tudo começou porque «não tinham vinho» e tudo se pôde fazer porque uma mulher – a Virgem Maria – esteve atenta, soube pôr nas mãos de Deus as suas preocupações e agiu com sensatez e coragem. Mas, não é menos significativo o dado final: saborearam o melhor dos vinhos. E esta é a boa nova: o melhor dos vinhos ainda não foi bebido, o mais gracioso, profundo e belo para a família ainda não chegou. Ainda não veio o tempo em que saboreamos o amor diário, onde os nossos filhos redescobrem o espaço que partilhamos, e os mais velhos estão presentes na alegria de cada dia. O melhor dos vinhos ainda não veio para cada pessoa que aposta no amor. E ainda não veio, mesmo que todas as variáveis e estatísticas digam o contrário; o melhor vinho ainda não chegou para aqueles que hoje vêem desmoronar-se tudo. Murmurai até acreditá-lo: o melhor vinho ainda não veio; e sussurrai-o aos desesperados ou que desistiram do amor. Deus sempre Se aproxima das periferias de quantos ficaram sem vinho, daqueles que só têm desânimos para beber; Jesus sente-Se inclinado a desperdiçar o melhor dos vinhos com aqueles que, por uma razão ou outra, sentem que já se lhes romperam todas as talhas.

Como Maria nos convida, façamos «o que Ele nos disser» e agradeçamos por, neste nosso tempo e nossa hora, o vinho novo, o melhor, nos fazer recuperar a alegria de ser família.

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