Desde o ataque nas torres gêmeas em 11 de Setembro de 2001 a palavra terrorismo tem se tornado cada vez mais presente nas conversas em todo mundo. Mata-se e destrói em nome de Deus, implantam o medo e o terror. Especialmente nos últimos 12 meses irrompeu-se uma nova ameaça terrorista conhecida como Estado Islâmico. No dia 13 de Novembro o mundo todo foi surpreendido com a notícia de um ataque terrorista que matou mais de 100 pessoas na França.
Quais são os motivos de tanto ódio? O que a igreja diz a respeito? Existe mesmo a possibilidade de um ataque à Roma? Para responder estas questões a Diocese de Uruaçu entrevistou Padre Francisco Agamenilton, sacerdote de nossa diocese que atualmente está em Roma cursando doutorado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Lateranense. Confira.
Quais as causas desse terrorismo exacerbado, no qual justificam o ódio em nome de Deus, como se Deus não fosse Amor?
O terrorismo é um fenômeno muito amplo e não é apenas de matriz religiosa. Pode também nascer de motivações políticas. Aquele que hoje mais aterroriza está ligado ao mundo islâmico. Ele é bastante complexo e não pode ser compreendido apenas de um ponto de vista. Convergem razões religiosas, culturais, econômicas e políticas. Mais precisamente, em relação aos ataques ocorridos na Europa, diga-se de passagem, na França, eles apontaram um dado espantoso: os terroristas eram europeus, franceses. É do conhecimento das autoridades que centenas de jovens europeus muçulmanos estão nos campos sírios e iraquianos sendo formados para a suposta “guerra santa” cuja finalidade é submeter todos a fé islâmica, segundo a interpretação destes grupos. Em relação a este específico caso, concordo, em linhas gerais, com o filósofo italiano Massimo Borghesi no que diz respeito às causas deste terrorismo. Primeiramente, estes jovens europeus muçulmanos, de segunda ou terceira geração, não se sentem realmente enraizados na Europa. São marginalizados e cultivam um ressentimento para com uma Europa que os vê como estranhos e hostis. A Europa acolheu seus pais, mas não os integrou devidamente. Este debate se acende novamente quando o velho continente vê, em suas terras, a maior crise emigratória após a Segunda Guerra Mundial. Milhares de pessoas escapam da guerra na Síria, Iraque, Líbia e Afeganistão em direção a Europa. Os países os estão acolhendo. É um primeiro, necessário e urgente passo. O desafio é a integração destas pessoas na vida europeia. O que costuma acontecer é a marginalização, como vemos no Brasil no que diz respeito ao êxodo rural e ao êxodo das pessoas das pequenas cidades para as grandes metrópoles. A segunda causa é uma Europa vazia, de mentalidade predominantemente individualista, incapaz de propor aos jovens grandes ideais de vida. A Europa oferece bem-estar, divertimento, mas não nobres projetos de vida. A Revolução Francesa gritou: liberdade, igualdade e fraternidade. O Estado se esforçou pela liberdade e igualdade. No entanto, não se sabe a quem delegou a fraternidade. À religião? Como? A própria Revolução negou a religião e hoje os países europeus a tratam como questão de vida privada a ser praticada entre as paredes dos templos e, talvez, dentro dos lares. Enfim, é de se reconhecer que o Estado não cuidou da fraternidade. A terceira causa se encontra na pregação fundamentalista da religião islâmica que este jovem muçulmano europeu encontra. Alguns líderes muçulmanos fundamentalistas se aproveitam deste vazio da juventude e do contexto e recrutam jovens para as filas do exército terrorista do Estado Islâmico.
O que a Igreja diz a respeito dos jihadistas fanáticos que querem a todo custo anular o Cristianismo?
Antes de tudo, é bom precisar que estes fanáticos pretendem eliminar não apenas os cristãos, mas todos aqueles que eles consideram infiéis à verdadeira fé islâmica por eles interpretada. Isto quer dizer que outros grupos religiosos também correm risco, inclusive dentro do mundo islâmico no qual existem várias correntes. Os terroristas explodiram não apenas igrejas cristãs, mas também mesquitas. Trata-se de um perigo mundial. O papa Francisco continuamente tem chamado à atenção para a exterminação de cristãos, principalmente no Oriente Médio, e se lamentado pelo silêncio e inércia das autoridades internacionais a este respeito. Na oração do Angelus, 15 de novembro passado, o papa usou um forte tom para condenar o terrorismo. Ele disse: “tanta barbárie deixa-nos atônitos e perguntamos como pode o coração do homem pensar e concretizar acontecimentos tão horríveis, que abalaram não só a França, mas o mundo inteiro. Diante de tais atos, não se pode deixar de condenar a afronta inqualificável contra a dignidade da pessoa humana. Desejo reafirmar com vigor que o caminho da violência e do ódio não resolve os problemas da humanidade e que utilizar o nome de Deus para justificar este caminho é uma blasfêmia!”.
Há especulações de um possível ataque a Roma. Isso é real?
É real sim. O governo italiano tem tomado as medidas necessárias para garantir a segurança. Ele elevou a nível dois o risco de ataques (o primeiro nível é o máximo e se decreta quando o ataque é já em andamento). Há policiais e soldados do exército armados em vários pontos da cidade. O serviço de inteligência tem atuado com grande eficiência. Nas últimas semanas alguns grupos envolvidos com o terrorismo foram descobertos e desfeitos. Por outro lado, embora haja vigilância nos pontos turísticos da cidade, como Vaticano e Coliseu, o modo como agiram os terroristas em Paris nos mostram que a estratégia está mudando. Isto é, podem atacar em qualquer lugar seja um bar, seja uma discoteca, seja uma igreja. Com isto, o risco de psicose coletiva aumenta. E é contra isto que os europeus estão lutando. Em Roma, as pessoas não querem frear o ritmo de vida, nem deixar de se divertir. Ontem, a Praça São Pedro, no Vaticano, ficou lotada de fieis para a oração do Angelus, com o papa. Vários disseram que foram como um modo de dizer que o medo não lhes domina. No entanto, semana passada, o metrô, em apenas um dia, foi interditado três vezes por suspeita de bomba. Não se pode ver uma bolsa ou algo parecido abandonado, deixado em um ângulo, para imediatamente começar o pânico. O terrorismo tem alterado o jeito de viver em Roma. Para lhe dar um exemplo, nos próximos dias nós, estudantes da Universidade Lateranense, teremos que apresentar nosso cartão de estudante ao ingressar na universidade. Este controle era inexistente. Entrada e saída era algo muito livre. Sobre o Jubileu da Misericórdia, o papa não o cancelou. O governo italiano fala do “primeiro jubileu na era ISIS” (Estado Islâmico). Uma série de providências foi tomada de modo que o peregrino poderá vir a Roma com segurança. É bom lembrar que o Jubileu é celebrado não apenas em Roma. Cada Diocese é também lugar de celebração. As mesmas graças que o fiel pode alcançar vindo a Roma, pode também obter em sua diocese.
Como lutar contra o terrorismo que assombra o mundo?
Eu diria que para a ação violenta do terrorismo serve a força usada de modo responsável e proporcional ao ataque. Porque é uma ameaça global, somente uma ação global poderá obter resultados satisfatórios. Neste ponto, o grande desafio é as potências mundiais abandonarem seus interesses egoístas e de hegemonia político-econômica e pensarem no bem da grande família humana (desafio semelhante se apresenta no debate em torno às questões climáticas). E quando me refiro à ação global, é ilusão pensar que se trata simplesmente dos países se unirem e bombardearem o Estado Islâmico. É uma mobilização mundial dos meios de segurança, de inteligência, de comunicação e, principalmente, das forças espirituais e culturais para vencer o ódio com a paz que se necessita. Na luta contra o terrorismo de matriz islâmica, no tocante ao seu germinar, é o próprio islamismo a ter enorme responsabilidade nesta empreitada. Várias autoridades internacionais têm feito este apelo. Não há dúvida: a solução passa pela participação ativa dos líderes muçulmanos. É hora de eles assumirem esta batalha e combater, no interior do islamismo, as interpretações do Alcorão e da tradição islâmica que levam ao fundamentalismo e à violência. Neste sentido, é pertinente recordar que o conflito no Oriente Médio está também ligado a uma transformação da religião islâmica. Ela está tendo que se deparar com o mundo, com as diferenças e com as novas exigências humanas e dar uma resposta a elas. Aqui nascem os conflitos internos e alguns grupos se radicalizam se transformando em fundamentalistas terroristas. Chamo a atenção para a verdade destas afirmações: “o islamismo não é o Estado Islâmico”; “o islamismo não é igual a terrorismo”. É a leitura fundamentalista da religião que gera o terrorismo islâmico. Este tipo de leitura pode também estar presente no mundo cristão, com manifestações diferentes. Em virtude disto, faz-se necessária a saudável relação fé e razão no âmbito religioso.
Enquanto cristãos católicos o que fazer diante desta situação uma vez que a Igreja repele a violência terrorista e guerrilheira?
Em sequência à resposta anterior, eu diria que é muito importante oferecer ao mundo o que nós cristãos católicos trazemos no nosso DNA: Jesus Cristo. Isto se concretiza pelo caminho do diálogo, do perdão, da justiça, em uma palavra, pela caridade. Talvez não seja possível, em determinado contexto, pronunciar o nome de Jesus, mas amar é sempre possível. O cristão pode vencer a ideologia do ódio pela caridade. E caridade também se aprende. Ninguém nasce caridoso. O mesmo vale para a fraternidade, o respeito e a justiça, para citar como exemplos. Digo isto para recordar que é responsabilidade da comunidade eclesial, pais, educadores, artistas e comunicadores educar para a paz e a justiça. Como disse Jesus, na parábola do semeador, “um semeador saiu a semear” (Mt 13,3). Este é o primeiro passo e toca diretamente a nós. O resto fica por conta de Deus e de cada um que, no sacrário íntimo da consciência, responde, na liberdade, aos apelos da boa semente.
Pe. Francisco Agamenilton Damascena
Doutorando em Filosofia pela Pontifícia Universidade Lateranense – Roma
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